Introdução aos principais conceitos de securitização (parte 2)

Introdução aos principais conceitos de securitização (parte 2)

Confira os conceitos de securitização e saiba porque ele não é um assunto novo apenas no Brasil. Sua complexidade é misteriosa até na Europa.

Por Carlos Daniel Coradi em 25/07/2021

Os conceitos de securitização não é assunto novo apenas no Brasil: ele, pela sua complexidade, permanece misterioso ainda até na Europa, especialmente para aqueles que não se envolveram com o tema. Isso porque envolve questões de estruturação, aspectos legais particulares e regulamentações governamentais que variam de país a país.

Zoë Shaw, do Banco WestB UK Limited, define a securitização como uma reunião de créditos e de recebíveis (decorrentes de créditos), reunião essa que chama de “pacote” para dele realizar a subscrição e venda de um título aos investidores, título esse que é associado aos créditos e aos seus fluxos futuros de recebíveis. Portanto, a securitização possibilita a transformação de ativos ilíquidos (recebíveis futuros) em outros ativos mais líquidos, mais manuseáveis e passíveis de serem distribuídos para venda para uma ampla gama de investidores no mercado internacional (e, claro, no mercado nacional) de capitais.

Visto que a securitização é um processo complexo e muitas vezes demorado, vem a questão do porquê então lançar mão desse caminho. A resposta está no fato de que a securitização é uma boa alternativa aos empréstimos tradicionais, que se baseiam nos balanços e demonstrações financeiras usuais e nas garantias de ativos reais, muitas vezes não disponíveis ou não aceitáveis para os investidores, que não querem ficar com terras, prédios ou plataformas de petróleo nos casos de inadimplência dos tomadores dos empréstimos.

A securitização permite formar caixa a partir de ativos sem liquidez e assim obter recursos líquidos para investir em expansões do negócio ou em outros recebíveis sem que precise haver um correspondente aumento de capital. O processo de securitização gera adicionalmente uma receita fora do balanço porque uma parte da margem líquida dos ativos securitizados é retida para pagar os custos e juros decorrentes do processo de modo ao gerar uma receita de juro que vai melhorar a rentabilidade da empresa.

Por estar o título de securitização ligado aos ativos, essas operações de securitização se denominam “asset-backed securities”, ou seja, operações com uma retaguarda de ativos. Elas em geral oferecem um nível de proteção maior do que os empréstimos clássicos com vistas às falhas porque possuem diversas possibilidades de melhoria de crédito, usualmente montadas nas próprias estruturações das operações.

A técnica de securitização se iniciou nos Estados Unidos, há cerca de quarenta anos, tendo se expandido enormemente. Naquele país, os ativos securitizados se expandiram de hipotecas para recebíveis de cartões de crédito, créditos de empréstimos para compra de automóveis, barcos, dívidas empresariais, etc., com uma variedade muito grande de formas, permitindo ao investidor selecionar aplicações dentro de sua preferência de risco e maturidade. Em 1989 o montante de aplicações era de US$ 904 bilhões, mas subiu nos últimos anos para a casa de trilhões de dólares.

Após ter se desenvolvido nos Estados Unidos, o mercado de securitizações atingiu a Europa, através da Inglaterra, entrando pela securitização do setor de hipotecas, inicialmente em automóveis e em seguida em habitações. Eram operações feitas através de taxas variáveis (“floating rate notes”) emitidas através de uma empresa criada especialmente para essa finalidade e denominada “SPV” (“special purpose companies”). Foram então lançados papeis com maturidades entre 27 à 42 anos e com cupons vinculados à libor trimestralmente. Cada lançamento incluía melhorias de crédito (“credit enhancement”) para criar proteções contra riscos estruturais que pudessem atingir o processo de “empacotamento” dos créditos, do tipo de riscos de crédito, riscos de liquidez, riscos de reinvestimento, etc. A remoção ou redução desses riscos é essencial para obter um grau adequado de “rating” das classificadoras de riscos e para mostrar a integridade da estruturação para os investidores.

Na Inglaterra, em 1990 se instituiu a primeira operação de securitização suportada por um “pool” de empréstimos para compra de carros, alargando então o espectro dessas atividades. Mais recentemente, se iniciaram operações suportadas por um portfólio de propriedades comerciais. Na França, uma legislação especifica foi criada em 1989, com aplicações até 1991 de 19 bilhões de francos franceses. Na Itália, a primeira transação em liras foi feita em 1990 em créditos de venda de automóveis. Nos países escandinavos, a primeira transação ocorreu em 1990 na Suécia com uma securitização de um portfólio de hipotecas imobiliárias. Expansão importante ocorreu na Europa com lastro em ativos referidos ao dólar em Eurobonds, através de emissões de securitização de recebíeis de cartões de crédito (“credit-card-backed debt”) lideradas por bancos americanos, em especial pelo Citibank. Outros países agora estudam essas operações de “asset-backed securities”, em especial a Espanha, a Alemanha e o Japão.

Conceitos de securitização e os riscos da securitização de recebíveis

Segundo Theodore Buerger 4, os títulos gerados pela garantia de recebíveis (“asset backed securities”) se constituem em uma das classes mais seguras de investimentos, por terem de longe riscos menores do que outros títulos privados. Contudo, o “defaut” não é impossível, mas as chances de recuperação são maiores do que nos outros casos.

A falha da securitização se mede pelos diferentes riscos que podem estar envolvidos.

O primeiro desses riscos depende do sucesso de se materializar o fluxo de caixa projetado, o qual depende da qualidade atual e futura dos ativos, que não devem se deteriorar. Esse risco é chamado de “asset quality risk” ou risco da qualidade dos ativos. A medida desse risco pelo estruturador da operação pode levar à solicitação de garantias adicionais para absorver eventuais faltas do fluxo de caixa regular (“overcollateralisation”).

O segundo tipo de risco é chamado de “risco intrínseco” da securitização e envolve os riscos inerentes à estruturação da operação. A mesma não pode ser afetada pela falência do vendedor dos ativos ou de outra qualquer parte da transação. Esse risco deve ter proteções previstas pela arquitetura legal. Buerger cita o caso da falência da Continental Airlines, na qual o Juiz determinou que os recebíveis de uma securitização fossem substituídos por aviões. Portanto, existem riscos que advém de falhas de estruturação jurídica da operação ou por lacunas legais de regulamentação. Há ainda o risco de fraude, que, afinal, existe em toda transação financeira mas cresce com o aumento do número de participantes e com a complexidade da estruturação. Usam o critério do “elo mais fraco” para avaliar os riscos de estruturação. Um particular risco estrutural é o risco de soberania, que leva em conta o país proprietário dos ativos securitizados.

Terceiras partes podem também falhar, já que estão envolvidas com a operação: serviços do “trustee”, entidade encarregada de servir de guarda para o fluxo financeiro da operação, seguradoras, bancos envolvidos, advogados, assessoria, etc. As agências de “rating”, que dão notas de qualidade para cada lançamento, usando o critério do elo mais fraco para avaliar os riscos da estruturação. Um particular risco estrutural é o de soberania, que leva em conta o país proprietário dos ativos securitizados.

Melhoria de crédito

Segundo Stephen L. Wenman, uma das formas de se evitar riscos na securitização de recebíveis é através da melhoria do crédito (“credit enhancement”), melhoria essa que pode ser obtida por cinco métodos: supercolateralização, estruturas de subordinação, garantias bancárias ou letras de crédito, garantias emitidas por uma companhia de seguros e indenizações para os riscos de securitização.

A supercolatelarização é simplesmente a inclusão de um valor maior de ativos como garantia adicional (ou colateral) na emissão garantidora da caixa recebida. É o método mais simples mas pode ser importante para a colocação do título.

Estruturas de subordinação são métodos de redução do risco de securitização que dividem o lançamento dos títulos em duas partes, “A” e “B”: a tranche A, também chamada de sênior, tem prioridade para o fluxo de caixa e para as garantias colaterais; a tranche B possuem a segunda prioridade sobre caixa e é paga apenas se a primeira for paga.

Garantias bancárias ou letras de crédito podem garantir o principal ou os juros dos títulos da securitização e podem ser dadas em função do exame do fluxo de caixa da operação, incluindo a supercolatelarização. Mas os bancos podem ter um “rating grade” que não seja bom (o melhor é AAA) e aí suas cartas de crédito não ajudam a operação.

Garantias emitidas por uma empresa de seguros do tipo “monoline” podem garantir 100% da estrutura da emissão ou emitir garantias parciais. Poderão exigir que uma entidade de classificação de riscos (“rating agencies”) examine o lançamento do título de recebíveis e dê uma nota para o mesmo, que não precisa ser pública (“shadow rating”).

Indenizações cobertas por apólice de Seguradora (que tenha sido objeto de classificação de uma empresa de rating) constituem outro método de melhoria de crédito. Essa apólice irá proteger o valor das garantias colaterais que margeiam o financiamento estruturado sem contudo garantir o principal e juro da emissão.

O tema é extenso e foi tratado em dois outros artigos:


Foto: KOBU Agency.