Casos concretos de securitização no Brasil (parte 3)

Casos concretos de securitização no Brasil (parte 3)

Dando sequência ao assunto da securitização no Brasil, por Carlos Daniel Coradi, agora vamos conhecer os casos concretos de securitização no Brasil.

Por Carlos Daniel Coradi em 26/07/2021

Dando sequência ao assunto da securitização no Brasil, por Carlos Daniel Coradi, agora vamos conhecer os casos concretos de securitização no Brasil. Acompanhe:

  • Uma empresa de vendas de varejo de São Paulo, percebendo que estava em dificuldades, securitizou os recebíveis de seu cartão de crédito; embora a empresa tivesse pedido posteriormente concordata, a operação de securitização de recebíveis não foi afetada.
  • Importante grupo imobiliário securitizou com sucesso os recebíveis de vendas de seus apartamentos, (vendidos em cem parcelas iguais mensais) conseguindo recursos para melhorar sua liquidez e reduzir seus custos financeiros.
  • Importante empresa do sul do país, especializada em exportações de alimentos, securitizou parte de suas exportações anuais, lançando títulos no exterior lastrados nos recebíveis dados em garantia do lançamento.
  • Diversas usinas de produção de açúcar que são exportadoras regulares securitizaram uma parte de suas exportações anuais e obtiveram dinheiro mais barato do que o juro de mercado para sanear seus passivos de curto prazo, extremamente onerosos.
  • Revendedoras de automóveis se uniram e securitizaram suas carteiras de crédito de vendas a prazo de veículos, obtendo, no mercado interno, dinheiro mais barato do que os empréstimos bancários.
  • Uma cadeia de supermercados securitizou recebíveis de suas vendas a prazo (através de cheques prédatados) em um sistema rotativo de lastro para garantir a colocação de uma debenture (poderia ser commercial paper) no mercado interno.
  • Uma conceituada e tradicional empresa de elevadores securitizou seus recebíveis de manutenção de elevadores de prédios, captando um expressivo volume no exterior através de lançamento de títulos no mercado de eurobonus.

Novas possibilidade de securitização no Brasil

As possibilidades de securitização no Brasil são vastíssimas. O texto abaixo condensa as ideias principais:

  • recebíveis podem ser de imóveis, commodities exportáveis, veículos, cartões de crédito, alugueis, luz, água e esgotos, impostos, custos de elevação de exportáveis em navios (“fobização”), etc.
  • Pode-se constituir um grupo de empresas (por exemplo através de associações de classe) o que serve para reduzir custos fixos e portanto o custo da taxa efetiva de captação. Mas os processos são individuais porque as características de uma para outra são muito diversas. E há a questão das responsabilidades.
  • O escritório de consultoria ajuda a atender as reais necessidades da empresa, examina a viabilidade do negócio, ajuda a determinar as linhas mestras do Projeto, faz a modelagem numérica e financeira do projeto. O escritório de consultoria prospecta o interesse das empresas e o transforma em realização, “costurando” as diferentes partes do projeto.
  • O envolvimento de um banco acaba sendo necessário, quer para que atue como agente fiduciário do negócio (“ trustee”) quer como lançador dos títulos no mercado externo ou interno, quer como canal de recebimento dos recebíveis ou de pagamento das obrigações contratuais.
  • A presença de um escritório de advocacia é sempre desejável porque a securitização envolve profundos aspectos contratuais e de garantias (principais e colaterais), muitas vezes em inglês e português, envolvendo traduções juramentadas.
  • “Enhancements” são melhoramentos da qualidade da operação de securitização, desenhados para cada caso, de tal modo que viabilizem a mesma. Podem englobar melhorias feitas com base em instrumentos de seguros, por exemplo com seguros de desempenho (“performance bonds”) ou serem do tipo a assegurar a continuidade do projeto (“survey and inspection companies”), ou de outras naturezas. Os “enhancements” poderão envolver operações de resseguro no Instituto de Resseguros do Brasil e mesmo em Resseguradoras no exterior.  Auditorias e empresas que dêem atestados de qualidade ao negócio de securitização (“ratings”) poderão representar importantes aprimoramentos no Projeto, de modo a melhorar a captação de recursos para o mesmo.

O incidente de 2008: crise mundial com a quebra do Lehman Bank

O ano de 2008 foi marcado pela maior crise financeira dos últimos 79 anos, após o desastre das bolsas de valores em 1929. A quebra do conjunto financeiro do Lehman Bank  se esparramou pelo mundo todo, das américas ao extremo oriente, atingindo todos sistemas bancários. Chegou forte no Brasil mas o então presidente Lula o chamou de “marolinha”. Vejam o que aconteceu segundo Wikipedia:

Lehman Brothers Holdings Inc. foi um banco de investimento e provedor de outros serviços financeiros, com atuação global, sediado em Nova Iorque. Era uma empresa global de serviços financeiros que, até declarar falência em 2008, fez negócios no ramo de investimentos de capital venda em renda fixa, negociação, gestão de investimento. Seu negociante principal era o tesouro americano no mercado de valores mobiliários. As suas principais filiais incluíam Lehman Brothers Inc., Neuberger Berman Inc., Aurora Loan Services, Inc., SIB Mortgage Corporation, Lehman Brothers Bank, FSB, Eagle Energy Partners, e o Grupo Crossroads. A sede mundial da empresa estava em Nova Iorque, com sedes em Londres e Tóquio, bem como escritórios localizados em todo o mundo.

Em 15 de setembro de 2008, a empresa pediu falência, já que vinha tendo prejuízos causados pela crise dos subprimes nos Estados Unidos. A apresentação marcou a maior falência da história americana. No dia seguinte, o banco britânico Barclays anunciou o seu acordo para a aquisição, sujeita à aprovação regulamentar, do banco de investimento norte-americano e divisões juntamente com o seu edifício sede de Nova Iorque. Na empresa trabalhavam aproximadamente 10 mil empregados. Em 20 de setembro de 2008, uma versão revista do referido acordo foi homologado pelo juiz James Peck.

O desastre teve muitas causas, mas entre elas o erro de todas as agências de rating foi o gatilho para o desastre mundial. Elas continuavam a fornecer altos indicadores de rating tipo AAA para papeis podres, securitizações de lastro muito ruim, hipotecas de imóveis dos Estados Unidos que já estavam no segundo ou terceiro grau. Quando isso veio a publico pelo desastre financeiro do Lehman Brothers Holdings Inc. que estourou por falta completa de caixa para solver suas obrigações, a entidade teve que recorrer ao Chapter Eleven (o pedido de recuperação judicial dos Estados Unidos) e o Juiz não teve outra possibilidade a não ser decretar a falência, o que desencadeou o restante do desastre financeiro mundial.

Para bom entendedor basta dizer: esse gigantesco erro das autoridades governamentais americanas, que não monitoraram em tempo hábil seus sistemas financeiros, não invalida bons e sólidos projetos de securitização de recebíveis, que, se feitos com qualidade e com prudência, funcionam perfeitamente.

Leia também os demais artigos publicados sobre o tema:

*Carlos Daniel Coradi é engenheiro, mestre em administração de empresas e presidente da EFC – Engenheiros Financeiros & Consultores.


Foto: Guilherme Stecanella.