Reflexões sobre uma empresa e a formação profissional

Reflexões sobre uma empresa e a formação profissional

Um olhar sobre o mercado de trabalho e a preparação dos profissionais.

Por Adilson G. Cantanhêde em 27/05/2020

Nesta semana fui procurado por um associado para inicialmente auxiliar uma empresa de engenharia civil nova no segmento de construção. Desde o convite até a reunião inicial algumas questões práticas foram expostas a esses profissionais:

  1. Formação profissional/acadêmica;
  2. Expertise;
  3. Mercado de trabalho.

1 – Formação profissional/acadêmica

Existe uma diferença acadêmica clara entre escolas que possuem áreas de pesquisas efetivas e escolas que possuem o mínimo de pesquisa para cumprimento de protocolos acadêmicos. As primeiras costumavam graduar “profissionais de concepção”, profissionais voltados as áreas de pesquisas e inovações, em sua maioria devido à proximidade do corpo discente aos pesquisadores que cumprem cargas horárias no ensino dessas graduações, alguns destes seguiam a carreira acadêmica, e sempre formou também profissionais de grandes corporações executoras de obras. Essas grandes empresas sempre tiveram essas escolas como celeiros de excelência.

As demais, mesmo tendo um corpo docente de mestres e doutores, sempre se voltaram para o mercado de trabalho, e se preocupando com a formação de “profissionais de execução”, investindo na formação de profissionais cujo o resultado excelente esteve sempre ligado a execução de obras, logo o desenvolvimento conceptivo destes graduados se daria pelo interesse de cada profissional em adicionar os demais conhecimentos em formações complementares, cursos, especializações, pós-graduações, e etc.

2 – Expertise

A diferenciação profissional se dá por mais conhecimento que o indivíduo é capaz de reter e aplicar em determinada área de sua escolha profissional. Quanto mais especializado em um assunto maior será a chance de atuação profissional. Sempre se recomenda aos iniciantes que estes tenham um assunto de sua preferência, e o conhecimento desse, mesmo que apenas acadêmico. E ainda, se possível, também tenham informação técnica sobre o maior número de assuntos possíveis, pois nunca se sabe em que área se darão as maiores oportunidades, e isto poderá ser um diferencial na manutenção do profissional na área.

3 – Mercado de trabalho

Na baixa demanda na qual ainda estamos imersos (considerando que o ano de 2020 para a engenharia civil ainda não começou) estamos impedidos de traçar trajetórias, pois o momento é de sobrevivência, e ainda não temos como tirar conclusões, pois dependeremos completamente de ações e incentivos governamentais para o reestabelecimento das oportunidades profissionais na área de engenharia. Essa foi a pauta cumprida da reunião.
Ouvindo e vendo as aptidões dessa nova empresa observei:

  1. Os profissionais não receberam o mínimo para a atuação profissional;
  2. As expertises demonstradas por eles não foram adquiridas na graduação que obtiveram, e sim por interesses paralelos a esta formação;
  3. A distância entre o mercado de trabalho e a qualidade do profissional que as escolas de engenharia estão fornecendo aumentou;
  4. A tecnologia melhorou, mas o conhecimento em aplicá-las diminuiu.

Conclusão

O declínio do conhecimento acadêmico do graduado que já observara em outras oportunidades foi mais uma vez comprovado. O que foi proposto e incentivado pelo governo nestes últimos tempos para os estudantes e futuros profissionais de engenharia possui solidez duvidosa, algo desconexo existe na formação desses futuros profissionais.

Cabe uma avaliação mais profunda do material humano discente ingressante nas escolas de engenharia civil, o que se percebe é que a formação do profissional é reticente e por causas que se somam. Alguns dos elementos dessa somatória são:

a. Formação secundária de baixa qualidade, e consequente queda do nível de conhecimento básico do corpo discente acadêmico;

b. Corpo docente com experiência profissional pequena e com conteúdo acadêmico básico e desconexo;

c. Novas escolas de engenharia civil com o cumprimento dos requisitos mínimos exigidos, e com baixa transmissão de conhecimentos da área;

d. A engenharia civil não tem sido pauta para o país que possui infraestrutura sofrível.

O aumento do número de escolas de engenharia pode ter democratizado o acesso dos estudantes secundaristas as áreas tecnológicas, mas isso não significou crescimento técnico do meio profissional, e sim sua diluição, pois os mesmos centros de conhecimento acadêmico reconhecidos como os melhores permaneceram em suas posições, pois em 20 anos não aconteceu nenhuma criação de centros de excelência nessa área.

Com tristeza observei a grande dificuldade que essa nova empresa terá em sobreviver, pois estamos perdendo as existentes por inúmeras causas que vão desde o baixo conhecimento técnico, a falta de oportunidades profissionais, e até ao ambiente agressivo para o investidor, carga tributária e demais exigências.

Esperamos que mais uma geração não seja perdida por ingerências de “especialistas” que cuidaram do ensino, e que os atuais tenham a coragem e o comprometimento de corrigir os erros cometidos, e que possamos em pouco tempo sermos surpreendidos pela excelência que já tivemos por aqui.

*Adilson G. Cantanhêde é engenheiro Civil, com 30 anos de experiencia no setor público e privado. Graduado pela Unicamp, pós-graduado em Gestão de Projetos pela Escola Politécnica da USP, especializado pela UPV – Universidad Politécnica de Valência – Espanha. Proprietário da A4 Engenharia e Avaliações, empresa com 20 anos dedicada a avaliações técnicas e projetos.


Foto: divulgação.