Eu votei no Bolsonaro, mas quero o seu impeachment

Eu votei no Bolsonaro, mas quero o seu impeachment

Eu fui um dos 57,7 milhões de brasileiros elegeram Bolsonaro em 2018. O discurso liberal, anticorrupção, conservador e voltado ao livre mercado me atraiu.

Por Eduardo Almeida em 29/05/2020

Eu fui um dos 57,7 milhões de brasileiros que votaram para eleger Bolsonaro em outubro de 2018. O discurso liberal, anticorrupção, conservador e voltado ao livre mercado me atraiu, apesar do jeito tosco e a evidente falta de preparo do então candidato. No segundo turno era ele ou a volta do PT. As últimas décadas de corrupção institucionalizada, aparelhamento do estado e crescimento econômico medíocre fizeram dessa uma escolha relativamente fácil, apesar de não me sentir confortável com nenhum dos candidatos. E até hoje não me arrependo dessa opção.

Entretanto, logo nos primeiros dias de governo, sinais amarelos foram se acendendo:

  • 05/01/2019 – Com quatro dias à frente da presidência, Bolsonaro diz que o IOF vai subir e o seu próprio Governo o desmente. Receita vê confusão e Casa Civil, equívoco.
  • 19/01/2019 – COAF identifica 48 depósitos suspeitos na conta de Flávio Bolsonaro
  • 04/02/2019 – Sérgio Moro envia pacote anticrime ao congresso, sem respaldo de Bolsonaro.
  • 18/02/2019 – Ministro Gustavo Bebianno é demitido após crise com filho de Bolsonaro.
  • 06/03/2019 – Bolsonaro faz postagem sobre Golden Shower e apaga tuíte após repercussão.
  • 12/04/2019 – Bolsonaro determina suspensão de aumento de preços da Petrobras. Volta atrás em 16/04 após falar com Paulo Guedes que não havia sido consultado previamente.

Amadorismo, confusão, acobertamento, complôs, fritura de ministros via redes sociais, intervencionismo, poder informal dos seus filhos, criação de fake news… São características que apareceram no começo, mas ditariam os rumos do governo Bolsonaro até os dias de hoje.

Algumas conquistas importantes foram logradas, principalmente no campo econômico, como a aprovação da Reforma da Previdência, a conclusão do acordo de livre comércio com UE, início de privatizações e uma significativa redução de crimes versus anos anteriores. Entretanto, mesmo nestas conquistas não se percebe a liderança do presidente nestes temas que foram iniciados, tramitados e aprovados praticamente sem ele. Aliás, foram aprovados apesar dele e das suas constantes interferências negativas ao divulga-las parcialmente ou erroneamente, ao não as negociar com o Congresso e não dar o apoio necessário.

Até esse momento, apesar de crítico do presidente eu ainda apoiava o Governo. Isto começou a mudar quando as práticas do governo começaram a divergir do discurso e ir de encontro com os meus valores. Eu sou radicalmente contra a corrupção e a falta de ética. Cruzar essa fronteira é inadmissível. E foram várias as vezes em que Bolsonaro foi até o outro lado dessa linha: ele sancionou o Juiz de Garantias, sancionou a Lei de Abuso de Autoridade, sancionou a limitação da delação premiada, mudou o COAF para o Banco Central, omitiu-se quanto à prisão em 2ª instância e quis indicar o filho para embaixador nos EUA.

O meu apoio foi até 24/03/2020, com a gota d’água que foi a Covid-19. O Brasil apresentava 2.201 casos com 46 óbitos e a Europa estava em seu pico da doença com dezenas de milhares de mortos. Neste dia, o Presidente da República convoca rede nacional de rádio e televisão para dizer que o coronavírus não passa de uma “gripezinha” ou “resfriadinho”. Esta atitude foi de uma falta de sensibilidade, inteligência, caráter e empatia que não era mais possível minimamente continuar a defender o Governo. Após isso, em inúmeras outras situações, Bolsonaro minimizou o vírus, incentivou aglomerações, desautorizou seus próprios ministros da saúde e politizou o enfrentamento da doença com governadores e prefeitos.  Tornou-se o principal aliado da Covid-19, contribuindo e incentivando os quase 375 mil casos e mais de 23 mil mortes até o momento em que esse texto é escrito.

A pá de cal do Governo veio com o episódio da demissão de Sérgio Moro. Bolsonaro interferiu na PF para proteger os seus filhos e poder usar a instituição contra seus adversários políticos no estado do RJ. O ex-ministro não aceitou esta interferência, como se esperava de uma pessoa com a sua postura e histórico, e pediu demissão relatando os mal-feitos que o presidente estava a fazer. Bolsonaro agora se defende inventando, corrigindo e alterando suas versões para reduzir os danos, mas é tarde demais. Resta ao presidente se vender ao ceder cargos para o Centrão e tentar conter um processo de impeachment, mas o apoio popular mingua diariamente. O preço será cada vez mais caro.

Minhas convicções e valores não se alteraram durante este período, já as ações do presidente não conversam mais com seu discurso de campanha. Estamos diante de mais um estelionato eleitoral. O governo Bolsonaro acabou. Que venha o Mourão tentar resgatar um pouco de esperança antes de 2022.


Foto: divulgação.

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