Ex-presidente da Levi’s recusa pagamento de 1 milhão para poder falar sobre pandemia

Ex-presidente da Levi’s recusa pagamento de 1 milhão para poder falar sobre pandemia

Jennifer Sey recebeu uma proposta: aceite 1 milhão e não diga que foi expulsa por não ser a favor de fechar as escola na pandemia. Ela recusou.

Por Redação em 28/02/2022

Jennifer Sey, ex-presidente da Levi’s, escreveu para a Common Sense sobre o motivo de sua saída: ela não apoiava o fechamento das escolas durante a pandemia.

Veja abaixo a tradução do texto de Jennifer Sey

Recusei uma indenização de 1 milhão de dólares em troca da minha voz.

” (…)Eu adorava usar Levi’s; Eu os tinha usado desde que me lembrava. Mas se você tivesse me dito naquela época que um dia eu me tornaria a presidente da marca, eu nunca teria acreditado em você. Se você me dissesse que depois de conseguir tudo isso, depois de passar quase toda a minha carreira em uma empresa, que eu me demitiria dela, eu pensaria que você estava realmente louco.

Hoje, estou fazendo exatamente isso. Por que? Porque, depois de todos esses anos, a empresa que eu amo perdeu de vista os valores que fizeram as pessoas em todos os lugares — incluindo as ginastas da antiga União Soviética — quererem usar levi’s. (…)

Durante minhas duas décadas no Levi’s, eu me casei. Eu tive dois filhos. Eu me divorciei. Eu tive mais dois filhos. Eu me casei de novo. A empresa tem sido a coisa mais consistente da minha vida. E, até recentemente, sempre me senti encorajada a trazer meu eu por inteiro para o trabalho — incluindo defender minha visão política.

E essa defesa sempre se concentrou nas crianças.

Em 2008, quando eu era vice-presidente de marketing, publiquei um livro de memórias sobre meu tempo como ginasta de elite que se concentrou no lado negro do esporte, especificamente na degradação das crianças. A comunidade da ginástica me ameaçou com ações legais e violência. Ex-competidores, companheiros de equipe e treinadores descartaram minha história como “algo vindo de uma perdedora amarga apenas tentando ganhar um dinheirinho”. Eles me chamaram de vigarista e mentirosa. Mas Levi’s ficou do meu lado. Mais do que isso: eles me abraçaram como um heroína. As coisas mudaram com a chegada da Covid.

No início da pandemia, eu questionei publicamente se as escolas tinham que ser fechadas. Isso não me pareceu nada controverso. Eu senti — e ainda sinto — que as políticas draconianas causariam mais danos àqueles com menor risco, e o fardo seria mais pesado para crianças desfavorecidas nas escolas públicas, que são as que mais precisam da segurança e da rotina da escola.

Escrevi para uma matéria para o Daily Clout, apareci em programas de notícias locais, participei de reuniões com o gabinete do prefeito, organizei comícios e implorei nas redes sociais para que as escolas abrissem. Fui condenada por falar. Desta vez, fui chamada de racista — uma acusação estranha, dado que tenho dois filhos negros — de eugenista e de seguidora da teoria da conspiração QAnon.

No verão de 2020, finalmente recebi a ligação. “Você sabe que quando você fala, você fala em nome da empresa”, disse nosso chefe de comunicações corporativas, querendo que eu “pegasse leve”. Eu respondi: “Meu cargo não está na minha biografia do Twitter. Estou falando como uma mãe de escola pública de quatro filhos”.

Mas as ligações continuaram chegando. Do jurídico. Do RH. De um membro do conselho. E finalmente, do meu chefe, o presidente da empresa. Expliquei por que o assunto e impactava tanto, citando dados sobre a segurança das escolas e os danos causados pela aprendizagem virtual. Embora eles não tentassem me amordaçar, me disseram repetidamente para “pensar no que eu estava dizendo”.

Enquanto isso, meus colegas estavam postando sem parar sobre a necessidade de expulsar Trump na eleição de novembro. Também compartilhei meu apoio a Elizabeth Warren nas primárias democratas e minha grande tristeza sobre os assassinatos de George Floyd e Ahmaud Arbery, racialmente instigados. Ninguém na empresa se opôs a nada disso.

Então, em outubro de 2020, quando ficou claro que as escolas públicas não iam abrir esse outono, propus à liderança da empresa que pensamos sobre o tema do fechamento de escolas em nossa cidade, São Francisco. Muitas vezes nos posicionamos sobre questões políticas que impactam nossos funcionários; falamos sobre direitos dos gays, direitos de voto, segurança de armas e muito mais. A resposta desta vez foi diferente. “Não pesamos em questões hiper-locais como esta”, me disseram. “Também há muitos potenciais negativos se falarmos fortemente, começando pelos inúmeros executivos que têm filhos em escolas particulares da cidade.”

Eu me recusei a parar de falar. Eu continuei criticando políticas hipócritas e não comprovadas, me encontrei com o gabinete do prefeito, e eventualmente desenraizei minha vida inteira na Califórnia — eu morava lá há mais de 30 anos — e me mudei com minha família para Denver para que meu filho no jardim de infância pudesse finalmente experimentar uma escola de verdade. Conseguimos um lugar para ele em uma escola pública bilíngue com imersão em inglês e espanhol, como a que ele deveria estar frequentando em São Francisco.

A nossa história chegou na mídia nacional, e me pediram para ir ao programa de Laura Ingraham na Fox News. Essa aparição foi a gota d’água. Os comentários dos funcionários de Levi’s se escalaram — me chamaram de “anti-ciência”, gordofóbica (eu retweetei um estudo mostrando uma correlação entre obesidade e impactos negativos na saúde), transfóbica (eu twittei que não deveríamos abandonar o Dia das Mães para o “Dia da Pessoa que Dá a Luz” porque deixou de fora mães adotivas e madrastas) e racista, porque a rede pública de ensino de São Francisco estava cheia de crianças negras e pardas, e, aparentemente, eu não me importava se eles morriam. Eles também me puniram pelas opiniões de Covid do meu marido — como se eu, como sua esposa, fosse responsável pelas coisas que ele disse nas redes sociais.

Todo esse drama aconteceu em nossas town halls — uma reunião que abrangia toda a empresa pela qual ansiava, mas mas agora me dava medo.

Enquanto isso, o Chefe de Diversidade, Equidade e Inclusão da empresa pediu que eu fizesse uma “turnê de desculpas”. Disseram-me que a principal queixa contra mim era que “eu não era amigo da comunidade negra na Levi’s.” Disseram-me para dizer que “sou um aliada imperfeita.” (Eu recusei).

O fato de eu ter sido convidada, em 2017, para ser a patrocinadora executiva de dois funcionários negros através do Employee Resource Group não importava. O fato de eu ter lutado por crianças por anos não importava. Que eu só estava citando fatos não importava. O chefe de RH me disse pessoalmente que mesmo que eu estivesse certa sobre as escolas, que era classista e racista que as escolas públicas ficassem fechadas enquanto as escolas privadas estavam abertas, e que eu provavelmente estava certa sobre tudo o resto, eu ainda não deveria dizer isso. Fiquei pensando: Por que eu não deveria?

No outono de 2021, durante um jantar com o CEO, me disseram que eu estava no caminho certo para me tornar a próxima CEO da Levi’s — o preço das ações tinha dobrado sob minha liderança, e a receita tinha voltado aos níveis pré-pandêmicos. A única coisa no meu caminho, ele disse, era eu. Tudo o que eu tinha que fazer era parar de falar sobre o fechamento de escolas.

Mas os ataques não paravam.

Trolls anônimos no Twitter, alguns com quase meio milhão de seguidores, disseram que as pessoas deveriam boicotar levi’s até que eu fosse demitida. Assim como alguns dos meus antigos fãs da época da ginástica. Eles ligaram para a linha de ética da empresa e enviaram e-mails.

Todos os dias, um dossiê dos meus tweets e todas as minhas interações online eram enviados ao CEO pelo chefe de comunicações corporativas. Em uma reunião da equipe de liderança executiva, o CEO fez uma observação informal de que eu estava “agindo como Donald Trump”. Eu me senti envergonhada e desliguei minha câmera para me recompor.

No último mês, o presidente me disse que era “insustentável” para mim ficar. Me ofereceram um pacote de indenização de US$ 1 milhão, mas eu sabia que teria que assinar um acordo de confidencialidade sobre por que eu tinha sido expulsa.

O dinheiro seria muito bom. Mas eu não posso fazer isso. Sinto muito, Levi’s.

Nunca quis ser polêmica. Eu não gosto de lutar. Eu amo levi’s e seu lugar na herança americana como um fornecedor de calças resistentes para pessoas trabalhadoras e ousadas que se mudaram para o Oeste e sonhavam com ouro enterrado na terra. (…)

Mas a empresa não acredita nisso agora. Ela está presa tentando agradar a multidão — e silenciando qualquer dissidência dentro da organização. Nisso, é como tantas outras empresas americanas: reféns de ideólogos intolerantes que não acreditam em inclusão genuína ou diversidade.

Em mais de duas décadas na empresa, levei meu papel de gerente muito a sério. Ajudei a -orientar jovens funcionários promissores que se tornaram executivos. No final, ninguém ficou comigo. Nenhuma pessoa disse publicamente que concordava comigo, ou mesmo que não concordava comigo, mas apoiava meu direito de dizer o que acredito.

Gosto de pensar que muitos dos meus ex-colegas sabem que isso é errado. Gosto de pensar que eles ficaram em silêncio porque temiam perder a posição no trabalho ou enfrentar a ira dos progressistas. Espero que, com o tempo, eles reconheçam isso.

Sempre usarei meus antigos clássicos da Levi’s. Mas hoje estou negociando meu trabalho na empresa. Em troca, fico com a minha voz”.

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Foto: Reprodução/YouTube