Amazônia, um bem brasileiro para o mundo

Amazônia, um bem brasileiro para o mundo

Olimpio Alvares comenta sobre a preservação da Amazônia, sua importância para o mundo e casos de sucesso no âmbito da preservação ambiental.

Por Olimpio Alvares em 28/09/2020

O mais limpo e protegido reservatório de água potável do planeta, que abastece Munique, está encravado na montanha ao redor de Garmisch-Partenkirchen, aos pés dos Alpes na Baviera. Mas qual sua relação com a Amazônia?

Toda a região ali é intocável, um santuário protegido pelo estado e pela comunidade. Ali, empreendedores, agricultores e pecuaristas locais podem desenvolver apenas atividades que seguramente não trazem degradação ambiental e contaminação do lençol freático. E não há desvios, não apenas porque eles são alemães regrados, mas porque todos tem seus próprios interesses vitais de longo prazo a zelar.

Luxo para uns poucos privilegiados, esse recurso hídrico natural de qualidade excepcional, como tudo, tem seu preço: o governo remunera os cidadãos locais com base em mecanismos de compensação objetivos, uma vez que o excesso de restrições em atividades agropecuárias e industriais atrapalha o crescimento e o desenvolvimento da economia local.

Assim, a preservação desse sofisticado patrimônio natural que atende a demanda dos habitantes de Munique pela água mais pura do planeta (sem nenhum tratamento químico), levou o estado a remunerar com critérios consistentes e justos os cidadãos locais daquela bucólica vila alpina – agentes essenciais a serviço da preservação da integridade da água servida na capital.

Segundo informado há alguns anos por um executivo do Ministério do Meio Ambiente da Baviera, a eles era destinada uma parcela dos recursos da conta d’água pagos pelos consumidores, usuários da rede de distribuição da região servida.

Enquanto isso, na Amazônia…

Do outro lado do Atlântico, a Amazônia sempre teve suas florestas originais bastante preservadas, enquanto o resto do mundo “civilizado” – que dizimou e degradou a maioria de seus mananciais de vida natural (e de suas colônias) para transformá-los em riqueza monetizada – se preocupa hoje ruidosa e agressivamente com o patrimônio florestal brasileiro remanescente.

Essa furiosa preocupação, que escala com frequência para o nível da absurda ameaça à soberania nacional, tem de fato fundamento; a preservação da Amazônia poderá garantir, em certa medida, um maior equilíbrio do clima do planeta, cumulativamente afetado pela enorme carga poluente advinda da atividade econômica tradicional global.

Etretanto, dado o elevado grau de preservação até agora, é certo que os cidadãos da Amazônia ainda não transformaram sua floresta em cifrões – embora esse risco exista.

Mas, dado o elevado grau de preservação, até agora, é certo que os cidadãos da Amazônia ainda não transformaram suas florestas em cifrões – embora esse risco exista.

Os povos da floresta, com seus 84% de mata original preservada, são donos de uma pegada de destruição natural muito baixa e de um Índice de Desenvolvimento Humano – IDH da ordem de 0,55 – muito inferior a um cidadão francês, por exemplo, que tem seu IDH da ordem de 0,87 e apenas 30% de cobertura vegetal (não nativa) em seu território.

Não se contesta a necessidade de proteger o que ainda resta de florestas no planeta. Aliás, um sistema sólido e respeitoso de permanente remuneração global combinada para a preservação da Amazônia, inspirado no conceito que permeia a estratégia de proteção da qualidade do sistema de água da região de Munique, pode ser um caminho a seguir.

A potência dos agentes locais

Nesse sentido, ao invés de os agentes estrangeiros mais “belicosos” seguirem ameaçando boicotes comerciais que subtraem as poucas riquezas agrícolas geradas pela economia brasileira, eles poderiam fazer um singelo exame de consciência, despir-se de sua armadura colonialista, e agir consorciados – em seu próprio benefício – para apoiar a construção de uma superestrutura financeira que permitirá cobrir os custos reais da preservação florestal pelos próprios povos da Amazônia.

Esses agentes locais são os maiores interessados em obter e preservar um digno e seguro ganha-pão, algo muito distante de sua indigente realidade econômica – que se não os empurra para a absolutamente incontrolável destruição da floresta, os perpetua como impotentes espectadores do desmatamento ilegal e criminoso.

Lembre-se, em um ambiente de dimensões continentais com escassez econômica multas (não pagas) e detenções pontuais de alguns infratores são simples perda de energia institucional (“enxuga-gelo”).

Na verdade, nada na área da preservação da Amazônia prosperará sem os recursos financeiros e a inteligência de todos os beneficiários de um clima global mais equilibrado.

As ridículas bravatas de celebridades narcisistas, o extremismo político vazio e as bravatas de certos chefes de estado mais afoitos – e uma guilhotina no pescoço da frágil economia brasileira ou de um Presidente da República – caminham no sentido oposto de uma harmônica concentração de esforços pró-Amazônia a nível global.

Sem ela, a complexa preservação de um território inóspito da dimensão da Europa ocidental torna-se impossível.

O modelo de sucesso da Baviera comprova em escala reduzida que onde há pés no chão, inteligência e colaboração mútua, todos colhem bons frutos. Não faltarão cérebros para construir e organizar essa iniciativa internacional comandada pelos brasileiros.

*Olimpio Alvares é engenheiro mecânico graduado Escola Politécnica da USP em 1981 e é diretor da L’Avis Eco-Service.


Foto: Sébastien Goldberg.