Como é difícil a volta ao trabalho – parece que esqueci tudo, tenho que aprender novamente. Juntamente com uma força instintiva que me impulsiona a voltar ao trabalho, há outra contrária que impede a minha volta. A preguiça que se incrustou em mim todo este tempo, fica parecendo os primeiros dias de volta de férias prolongadas. Aliás, várias férias.
Também, queria o que? Já se vão 180 dias de isolamento escutando o incapaz do Mandetta falando “fica em casa, ciência, fica em casa, ciência”.
Encarando a volta do verdadeiro normal e a terceira idade
Voltando na questão do trabalho, acho que vou ter que pegar no tranco. É igual carro velho sem partida ladeira abaixo, engata uma terceira tira o pé do freio e solta, seja o que Deus quiser. Mas, se não pegar, vou ficar na baixada da ladeira, olhando morro acima, imaginando como vou subir.
Vem no meu pensamento aquela frase, “o trabalho enobrece”. Na minha idade, o trabalho endurece a vida, nobreza é coisa do passado. Mesmo assim, já se passaram dois dias que voltei ao trabalho, acho que escolhi o dia errado para começar: amanhã é sábado e segunda vamos ter um feriado. Serão mais três dias em casa, trabalho dois folgo três. Quando é assim, não tem onde ir a lugares que não tenha muita gente, se for, o isolamento vai pro brejo e dá-lhe álcool para matar o vírus, é tanto que não passaria no teste do bafômetro.
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Ficar em casa assistindo TV já encheu o saco, não lembro quando foi a última vez que fiquei tanto tempo na frente da tv, todos os dias passa a mesma coisa, repetem muito, principalmente programas de pescaria. Comecei assistir uma série sobre política, parecia que eu era o personagem e estava vivendo o papel dele, tamanha foi a minha identificação. Houve momentos em que eu estava quase sugerindo o próximo lance da cena.
Já desisti de assistir canais de notícia, não consigo entender como estes canais conseguem falar o dia todo sobre o mesmo assunto: Bolsonaro não estava usando máscara, entra um. Falam tanto disso que não posso ver o Bolsonaro sem máscara que já condeno todo o governo dele. Mas ele está me dando um exemplo que não tinha me atentado: ele vai trabalhar todos os dias e eu não. Pegou até a Covid-19, se saiu bem por causa do histórico de atleta. Por outro lado, como sou sedentário e do grupo de risco, vou voltar a trabalhar com cuidado redobrado e duas garrafas de álcool (uma eu bebo e a outra passo nas mãos). Assim vamos levando a vida, tipo um personagem do Jô Soares: casa, descasa, casa, descasa, trabalha, não trabalha, trabalha, não trabalha. Vamos em frente, a vida continua.
*Antoine Saad é empresário em Mato Grosso.
Foto: Photo by David Lezcano.